Mostrando postagens com marcador Festvial Folclorico de Parintins. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Festvial Folclorico de Parintins. Mostrar todas as postagens

Bicho Papão é azul (assim como o Cavalo Marinho)...


Por Dulce Gusmão
(especial para o blog da Lydia Lucia)

A vida é feita de fluxo e refluxo, retração e expansão, movimentos que, dizem as línguas científicas, até mesmo criaram o universo como nós o conhecemos (ou desconhecemos). Para mim, chega a ser doloroso dizer, louca torcedora como sou, que o boi Garantido envia sinais de refluxo e retração enquanto o contrário apresenta na arena um quê de evidência de expansão.
E o problema é mesmo este para quem gosta do Festival de Parintins: a “expansão” – sempre equivocada e “sem cabeça” – do boi contrário. Toda vez que o contrário se considera no auge nos deparamos com escolhas “artísticas” no mínimo equivocadas para a manutenção do Festival como sonhamos: um estandarte das tradições indígenas e caboclas, a voz sonante de povos por tantas vezes silenciados, a representação da força e exuberância singulares da cultura e arte amazônicas.
Foi assim na década de 90: quando demos por fé as mãozinhas levantadas e bundinhas arrebitadas do pop-axé de um “ritmo quente” invadiram as ruas – principalmente as azuis - de Parintins em nome de uma suposta “popularização” do boi, que, assim, atravessaria rios e desaguaria em oceanos menos locais e mais nacionais. Quem não se lembra disso, deve apenas procurar conhecer algumas chamadas televisivas do Caprichoso da época. Com cuidado, é claro: elas fazem mal ao corpo, mente e alma de quem valoriza sua caboquice.
Mas como a cobra sempre morde o próprio rabo, o resultado foi o belo trabalho apresentado pelo Garantido em sua expansão, que mostrou ao contrário ser possível modernizar mantendo as tradições. A fórmula, que se provou eficaz em outras regiões do Brasil – vide o movimento manguebeat de Pernambuco – , exige que se valorize o regional para ser global, exige voz altiva para não calar o que nos faz únicos.
A correção de rumo do Garantido engrossou a peia que o contrário leva na arena e não gosta de admitir ou lembrar: 27 x 19 no placar do Festival. Desnecessário dizer que oito destes títulos foram conquistados neste período a que estou me referindo, entre 1997 e 2006.
Neste ano de 2011, nos deparamos com o mesmíssimo problema que, na apresentação de ontem, se ingerou principalmente – como diria o caboclo - em Lenda do Cavalo Marinho, um exemplo marcante do perigo que representa o contrário acéfalo para o Festival.
Escultura exuberante, o tal cavalo – todo mascarado de amazônico, apesar dos tons de roxo – representa simplesmente um viés cruel da colonização: aquele levado a cabo pelos evangelizadores que exterminaram várias culturas, e portanto, a diversidade social amazônica, em nome de Jesus e de algum dinheirinho a mais na bolsa. A tal lenda está no livro de um cônego, foi “emprestada” dos portugueses e regionalizada para fins exterminadores e, como o próprio site do contrário explica, quase ninguém em Parintins - ouso corrigir, na Amazônia -, lembra ou conhece...
Como este tal de cavalo foi parar no Festival de Parintins, que busca valorizar – ou pelo menos trazer à memória – a cultura de nações, por vezes, extintas? Pelas “Mãos sem Cabeça” do contrário, esta sim uma realidade apavorante, capaz de fazer correr mais do que o Mapinguari no meio da floresta!
Nossa sorte, sinceramente, é que estes suspiros de expansão do Caprichoso duram pouco e isto também é histórico. Resta a nós – loucos torcedores – torcer por nova correção de rumo do Garantido: aquela que nos faz ter certeza de que o Festival de Parintins será sempre criativo, peculiar e ousado sem a necessidade de gigantescos brilhos, paetês e equívocos. Um exemplo simples: a performance iluminada do ator e levantador de toadas Sebastião Júnior, que transformou a arena em verdadeiro palco de ópera popular, ao encenar, cantando a plenos pulmões, a conhecida lenda amazônica do boto, nossa verdadeiramente, com cheiro de mato e de beira de rio.