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A minha Tatuagem Jurássica




Muito desbotada pelo tempo, e sem os finos traços dos artistas da pele, de hoje, mas, ainda com todo o significado e importância pessoal da época em que foi feita. Estava com 15 anos, e algumas dores da adolescência, sem entender que crescer dói muito mais.

Desde sempre moro no mesmo bairro, mesma rua, quase  na mesma casa. Por isso, sou farinha de feira, conheço todo mundo e todo mundo me conhece. 

Hoje, quando preciso ir ao comércio local, vou com tempo livre pra ficar de bate-papo na rua. 

E sempre foi assim… adorava ficar na esquina, desejava ardentemente o domingo, só pra ficar papeando, ouvindo as fofocas e ser admirada. Já sabe né? Narciso, mora em mim!

Na época,anos 80, o máximo de rebeldia que eu conseguia ter, era usar roupa curta (prevalece até hoje), e por isso, tinha "seguidores", os  rebelde sem causa. Entre os meus amigos de bairro, existia um aspirante a tatuador que virou a piada da rua, era escanteado por todos , ficava isolado, na berlinda (todos tiravam onda com a sua arte), encolhendo o seu talento gigantesco, eu nem tanto, por isso...

Um domingo, assim, do nada, eu acordei e decidi girar o botão do f#d@-se e fui conversar com ele sobre tatuagens… a conversa foi longa, empolgado me falou com tanta paixão, tanto entusiasmo que resolvi que seria a primeira  "gata" tatuada por ele. 

Escolhi as inicias do meu nome L.L. (Lydia Lucia) e ele escolheu o coelhinho do playboy (revista). Passei uma eternidade na casa dele, chorei horrores, doeu pra carai. Enfim saiu o desenho, mal rabiscado, dolorido e agressivo, era tudo o que eu queria, ser a tal com moral, agora tatuada. 

Cheguei em casa e minha mãe surtou, ameaçou amputar o meu braço, além de querer dar uma surra no artista tatuador. Eu ainda era menor de idade, hora e outra dizia que ia  chamar a policia pra prender o marginal tatuador. 

Mas sobrevivemos todos. mesmo que durante um bom tempo, mamãe me ameaçava, quando olhava para o meu braço: “está parecendo aquelas meninas que namora os maconheiros da rua da cachoeira, vou passar tinta nesse braço quando você estiver dormindo”.  dormia acordada rsrsrsr  

Quanto ao artista, o povo parou de zoar com ele, pois fez a “a tatuagem da famosinha”, aprimorou sua técnica, e EU continuei com o título de primeira cobaia. 

Ao longo dos anos tive a oportunidade de modificar a minha jurássica tatuagem diversas vezes, mas lembrava do porquê  havia feito e desistia de modificá-la, modernizá-la, e deixava no original só do freca mesmo, com os incomodados. 

As marcas que minha tatuagem deixou em meu corpo serviram de alerta muitas vezes na minha experiência de vida: tipo, fica esperta, esse lugar, esse ambiente, essas pessoas, não são bem o que você merece no momento, olham torto demais pro teu braço.

Fui bancaria, aprovada em um concurso e ao ser chamada, passei por uma inquisiçao por causa da tatuagem, não pelos traços grosseiros, mas pelo preconceito que vinha a tona de quem olhava meu braço marcado e sugestionavam que eu era usuaria de drogas e inconfiável.  

Algumas senhoras, “candidatas a sogras”, erguiam a bandeira do alerta quando olhavam para o meu braço tatuado agressivamente e tratavam, logo, de realizar o movimento “corre meu filho, ela não serve pra você!"

Nas rodadas sociais, até hoje, quando ouço alguém falar que minha tatuagem é grosseira, que deve ter sido talhada a faca, concretizada em presídio. Meu alerta contra o preconceito é acionado.

Quando quis me tatuar, além de ajudar por na roda o talento de um amigo,que era gigantesco, usar as minhas iniciais L.L. fez toda a diferença, passei a ser Lydia Lucia, não mais Lydia, Dinha, Gi, Li, Lylu, ou outro tratamento que as pessoas usavam para me identificar. Minha personalidade foi forjada na faca, naquele dia. Quanto ao coelhinho, acho o máximo como as pessoas associam ao sexo,vejo claramente a tentativa de esconder a sua libido escrachando a minha tatuagem.  Acho uma graça como algumas pessoas se incomodam com o que não me incomoda. 

E só mais um lembrete: Se faz sentir, faz sentido. Observa o que te incomoda em mim e conserta em ti primeiro.