Ofício Conjunto nº 12/2024/AFBBG-ACBBC 18 de dezembro de 2024.
Ao Exmo. Sr.
CÂNDIDO JEREMIAS CUMARÚ NETO
Secretário de Estado de Cultura e Economia Criativa do Amazonas
Av. Sete de Setembro, 1546, Centro, CEP 69005-141
Manaus/AM
Assunto: Notificação extrajudicial sobre processo licitatório para a venda de ingressos para o 58º Festival Folclórico de Parintins.
Senhor Secretário,
A Associação Folclórica Boi-Bumbá Garantido e a Associação Cultural Boi- Bumbá Caprichoso, por seus presidentes infra-assinados, vêm, à presença de Vossa Senhoria NOTIFICAR EXTRAJUDICIALMENTE a Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Estado do Amazonas, nos termos que seguem:
I. Do Contexto Fático
As agremiações signatárias foram surpreendidas com a publicação na madrugada do dia 17/12/2024 do Edital de Dispensa de Licitação Eletrônica nº 007/20241, onde a Secretaria ora notificada, unilateralmente e sem qualquer consulta às associações Boi Caprichoso e Boi Garantido decidiu por realizar certame licitatório para a “CONTRATAÇÃO DE EMPRESA ESPECIALIZADA EM BILHETERIA DIGITAL E PRESENCIAL, PARA A GESTÃO DE VENDAS DE INGRESSOS NO BUMBÓDROMO DE PARINTINS, INCLUINDO A IMPRESSÃO GRATUITA DE INGRESSOS PARA EVENTOS GRATUITOS, POR DISPENSA DE LICITAÇÃO, VISANDO ATENDER ÀS NECESSIDADES DA SECRETARIA DE ESTADO DE CULTURA E ECONOMIA CRIATIVA, NO FESTIVAL DE PARINTINS 2025”.
No referido processo nº 01.01.020101.009860/2024-16, o Estado do Amazonas decidiu, por meio de dispensa de licitação e desconsiderando normas legais ou a titularidade de direitos, contratar uma empresa para prestar o serviço de venda de ingressos das apresentações dos bois Caprichoso e Garantido durante o 58º Festival Folclórico de Parintins.
A decisão impôs diversas condições, incluindo a definição da forma de venda, valores, quantidade de ingressos e camarotes disponíveis, prazos de pagamento e outras obrigações jurídicas.
Tais medidas interferem diretamente, de forma totalmente indevida, em direitos exclusivos dos bumbás, relegando-os à mera função de produtores do espetáculo.
II. Ausência de Autorização Oficial - Das graves violações praticadas pelo Edital de Dispensa de Licitação Eletrônica (DLE) nº 007/2024 – SEC
Inicialmente, a despeito do objeto “licitado”, importante frisar que a comercialização de ingressos para o Festival Folclórico de Parintins é de propriedade exclusiva e responsabilidade das Associações dos bois Garantido e Caprichoso, conforme contratos privados firmados no exercício de sua autonomia jurídica, respaldada no direito de arena e na propriedade intelectual sobre suas apresentações.
A saber, as Associações são Entidades Privadas, de caráter cultural, científico e social, sem fins lucrativos, com autonomia política apartidária, associativista.
Portanto, no âmbito de sua atuação PRIVADA, são protagonistas do Festival Folclórico de Parintins, com o apoio, fomento e patrocínio de diversos entes e empresas, sem elas do âmbito privado ou público.
Nesse sentido, o conceito do Festival de Parintins e, principalmente, das apresentações dos Bois-Bumbás Caprichoso e Garantido, assim como o conjunto- imagem e suas propriedades intelectuais é protegido como direito autoral pela Constituição Federal, pela Lei nº 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais – LDA) e reconhecido pela doutrina e jurisprudência brasileira como Trade Dress, sendo conjunto de direitos privados que não podem ser transacionados por terceiros, incluindo-se ente público estatal que não possua a anuência dos seus detentores.
Os direitos autorais e conexos ligados a eventos culturais pertencem, em regra, aos criadores ou organizadores do espetáculo, salvo contrato ou cessão que determine o contrário.
No caso das Associações Folclóricas, os direitos autorais de músicas, coreografias e outros elementos artísticos pertencem aos seus autores (compositores, intérpretes, coreógrafos). A exploração econômica depende de sua autorização.
No caso, inexistiu qualquer tipo de autorização ou cessão nesse sentido ao Estado do Amazonas.
Assim, a entidade promotora do evento tem a titularidade sobre a comercialização de ingressos e camarotes, a menos que tenha cedido esses direitos mediante contrato. O que não é o caso.
Desta forma, ainda que evento tenha relevância pública ou envolve recursos estatais, o poder público pode exigir maior transparência e controle na venda de ingressos, desde que não ultrapasse a autonomia da entidade promotora.
Com efeito, a disposição ilegal pela Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Amazonas de direitos privados inerentes aos bumbás é caso de utilização econômica ilegal de propriedade intelectual não pertencente ao Estado do Amazonas.
A utilização econômica das apresentações dos bois Caprichoso e Garantido é exclusiva das agremiações.
Nesse contesto, segundo a Carta Magna, temos que:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar;
Na mesma esteira, dispõe a Lei nº 9.610/1998 – Lei de Direitos Autorais:
Art. 28. Cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica.
Sobre esse tema, nos ensina o brilhante magistério de Eduardo Vieira Manso em seu livro Contratos de Direito Autoral
“A utilização econômica de uma obra intelectual, portanto, pertence, exclusivamente, ao seu autor, por força de mandamento constitucional...
Esse direito de utilização econômica da obra intelectual é exercido mediante o uso das faculdades de caráter patrimonial, que o Direito Autoral reconhece como sendo três ordens genéricas: o direito de reprodução, o direito de representação e o direito à sequência...
Tratando-se de um direito subjetivo constitucional, não se pode mais falar que as prerrogativas patrimoniais sejam um privilégio ou um monopólio, eis que seu nascimento não mais pode depender de um ato soberano especial, singular, excepcional. Basta a criação de uma obra intelectual, para que seu autor seja imediatamente investido do direito autoral, independentemente de atender a qualquer requisito para essa aquisição: nenhuma formalidade administrativa (registro da obra, declaração expressa de reserva de direitos ou coisas assim) se impõe ao autor para que o direito lhe seja deferido plenamente.”
A Lei de Direito Autoral é expressa e traz amparo ao direito dos bumbás em casos de violação, senão vejamos:
Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra,por quaisquer modalidades, tais como:
(...)
VI - a distribuição, quando não intrínseca ao contrato firmado pelo autor com terceiros para uso ou exploração da obra;
VII - a distribuição para oferta de obras ou produções mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para percebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, e nos casos em que o acesso às obras ou produções se faça por qualquer sistema que importe em pagamento pelo usuário;
VIII - a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante:
a) representação, recitação ou declamação;
b) execução musical; (...)
j) exposição de obras de artes plásticas e figurativas; O Código Penal Brasileiro também trata da matéria:
Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.
§1º Se a violação consistir em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem os represente:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Frise-se ainda que aludida conduta praticada pela Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Amazonas não afronta somente os direitos subjetivos dos bois Caprichoso e Garantido, mas também constitui prática lesiva aos interesses coletivos dos consumidores, uma vez que o poder público não é o proprietário das propriedades intelectuais das apresentações, não possui qualquer nível de ingerência em sua produção ou realização e muito pelo possui os meios de garantir sua realização sem a anuência e participação dos bumbás.
Resta clara, portanto, a proteção autoral que recai sobre o conjunto de propriedade intelectual dos bumbás, assim como a evidente violação a este conjunto de direitos pelo Estado do Amazonas.
III. Da realização do evento pelos bois Caprichoso e Garantido
Como se sabe, para viabilizar a realização Festival, os bumbás obtêm investimentos por meio de patrocínios ou fomentos seja dos governos Federal, Estadual e Municipal, por patrocinadores privados, parcerias e recursos próprios.
Cabe ressaltar, ainda, que ambos os Bois possuem escolas deformação, com foco em arte, música, artes cênicas, formação de soldadores, escultores, entre outros. Os bumbás são hoje importantes no desenvolvimento da tecnologia relacionada às apresentações e artes, inclusive para o exterior.
Portanto, considerando seu caráter cultural, científico e social, sem fins lucrativos, as Notificantes têm como principais fontes de arrecadação o apoio de patrocinadores (em destaque para a apresentação do Festival de Parintins).
No Festival, tudo é gratuito para os brincantes dos bois. Até mesmo a capacidade de público do Bumbódromo é majoritariamente social, com a maior parte gratuita para a população de Parintins:
“O público faz um espetáculo à parte e, sem dúvida, embeleza ainda mais o festival. Cada torcida fica separada nas suas respectivas partes das arquibancadas e nunca se misturam. Por incrível que pareça, apenas 10% dos ingressos são vendidos, o restante é distribuído de graça para cada torcida”
Portanto, para viabilizar a produção do Festival pelos bumbás a venda antecipada de ingressos é ferramenta fundamental, possibilitando o aporte financeiro necessário inicial para a preparação do espetáculo, pagamento de trabalhadores, dos artesãos, artistas e demais trabalhadores e prestadores de serviços envolvidos, bem como a logística e infraestrutura necessárias para a realização de tamanha manifestação cultural, destacando-se que o apoio financeiro do Estado do Amazonas historicamente se dá apenas na proximidade do evento.
Nesse contexto, destacamos que o Edital de DLE nº 007/2024, estabelece unilateralmente e indevidamente, como condição contratual que o repasse do produto da venda dos ingressos para o Festival de Parintins de 2025 se daria somente 10 (dez) dias após o evento, implodindo qualquer planejamento financeiro dos bumbás ou a existência de quaisquer recursos para a realização das festividades.
Some-se a isso o fato de que a venda de ingressos é planejada e realizada de forma legítima, com base em contratos privados, sem utilização de qualquer recurso público. Não há vínculo que subordine essa atividade às normas de licitação pública, dada sua natureza privada, não incidindo no caso em tela as disposições da Lei nº 14.133/2021.
Por sua vez, o Estado do Amazonas possui seu papel no evento como um dos patrocinadores, por meio de fomento de recursos para as apresentações, bem como o cessionário do Bumbódromo, espaço onde é historicamente realizado o evento e construído especificamente para essa finalidade específica de caráter pública e que não pode ser negada.
Os repasses públicos, por sua vez se destinam exclusivamente a áreas de acesso gratuito, enquanto a gestão das áreas pagantes é gerenciada pelas agremiações, sendo a receita de ingressos indispensável para o custeio da produção do Festival de Parintins. Qualquer intervenção no modelo atual prejudicará a viabilidade do festival e a autonomia das associações, pilares essenciais para sua realização.
Por fim, fazemos o alerta de que as associações conjuntamente já celebraram diversos contratos relacionados ao evento, em especial de patrocínios via Lei Rouanet, cujas rescisões e suas respectivas multas multimilionárias incidentes, consequência direta e inevitável dos atos unilaterais praticados pelo Estado do Amazonas, causarão impactos financeiros irreversíveis às Notificantes, inviabilizando suas próprias existências e a continuidade do Festival de Parintins.
Dessa forma, reiteramos a legalidade das atividades realizadas e solicitamos a reconsideração das determinações contidas no ofício, preservando a autonomia organizacional das associações.
IV. Em Conclusão
Em vista de todo o exposto, firme-se que o ESTADO DO AMAZONAS NÃO POSSUI QUALQUER AUTORIZAÇÃO EXPRESSA DOS BOIS CAPRICHOSO E GARANTIDO para transacionar acerca de qualquer direito subjetivo das agremiações, tanto no sentido lato e em especial nos conexos ao Festival Folclórico de Parintins.
Portanto, os Bois-Bumbás signatários NOTIFICAM a Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Amazonas cesse em caráter imediato a licitação de qualquer serviço de gestão de venda de ingressos para o 58º Festival Folclórico de Parintins uma vez inexistente qualquer autorização dos bois realizadores do evento nesse sentido e em se tratando de apresentação artística de sua propriedade, sob pena de serem adotadas as medidas cabíveis à espécie, sem prejuízo da suspensão de quaisquer preparativos e participação das referidas Associações em qualquer evento a ser realizados mediante à imposição das citadas condições.
Afora todos os fatos narrados, nos colocamos e solicitamos agenda, com a participação pessoal de todas as autoridades competentes, com o entabular conversas, esclarecimentos e tratativas com o fito de buscar e encontrar melhor solução para a questão posta.
Na oportunidade, renovamos nossos sinceros protestos da mais profunda estima e apreço.